sexta-feira, 14 de outubro de 2011

Eu tive infância

Fico observando as crianças de hoje na porta da escola com seus fichários super descolados do Ben 10, da Hello Kitty ou do galã e da modelo do momento. Alguns, mais privilegiados, com seus celulares a punho, ipods, Blackberrys, tablets, laptops e similares. Engraçado como o mundo muda tão rapidamente. No meu tempo (que nem faz tanto tempo assim) eu tinha um caderno de brochura “simprão”, no máximo de capa dura de uma cor só. Minha mãe o encapava com papel de presente ou plástico de pacote de arroz para não estragar (reciclagem e economia). Às vezes o caderno acabava no meio do horário de aula, então tinha que recorrer aos que o Governo doava para a escola. Lembro que tinha um com a foto do peixe-boi (medonho) e atrás tinha o hino nacional. Independente da aparência do material, o importante era estudar e copiar as coisas que a tia passava na lousa. Tai, mais uma coisa que mudou, hoje em dia as professoras detestam ser chamadas de tia, perdeu-se aquele afeto de antes.
Celular, ipod, notebook? Isso não nos pertencia! Na verdade, nem existia, e quando passou a existir era coisa dos mais favorecidos financeiramente, que não era o meu caso. Nunca pensei os possuir um dia, de tão inalcançáveis eram esses bens aos meus humildes olhos.
O bichinho virtual foi um divisor de águas na minha infância. Achava fantástico ver aquele ovinho rachando, dando vida a um pequeno dinossaurinho. Era sublime acordar de madrugada para alimentá-lo, dia após dia vê-lo crescer (era uma maternidade). Padecíamos todos no paraíso virtual de nossos bichinhos até o dia que eles morriam! Só que isso não nos trazia lágrimas. Ficávamos sim, eufóricos para começar aquilo tudo de novo! Alta tecnologia, pensava eu! Pena que só pude ter um quando a febre tinha acabado, porque, como qualquer outra coisa, era muito caro no auge. Quando finalmente ganhei um só pra mim, perdeu a graça dar comida virtual e limpar a merda virtual que aquele dinossauro feio e inútil fazia.
Eu era uma criança feliz, embora fosse torturada pelos meus pais que me davam Emulsão Scott alegando que faria bem para minha saúde aquele treco nojento de gosto horrível, tirado do fígado de algum peixe fedorento que me dava náuseas, ou quando corriam atrás de mim pela casa com um vidro amaldiçoado de Merthilate quando eu me feria. Depois que reformularam aquela porcaria e agora não arde, meus pais não mais compraram o santo remedinho, acho que era só para me castigar!
Minha alegria era o Biotônico Fontoura. Ah! Que Delicia! Aquela fórmula antiga sim era boa, tinha álcool e eu adorava. Minha mãe guardava a garrafinha na porta da geladeira. Lembro de dar várias goladas durante o dia (escondida, lógico!) e mesmo assim, nunca a deixava esquecer de me dar mais uma generosa colherada 30 minutos antes das refeições, afinal, biotônico dá uma fome de leão! Sabia até a musiquinha de cór: Bea báá... Beé béé... Bei Bíí Otônico Fontouraaa...
Passava as tardes brincando na terra, cavando túneis, procurando minhocas e outros bichos estranhos. Certa vez, achei os restos mortais de um cachorro. Nunca mais cavei, fiquei assustada. Mas eu não cavava tão fundo não! Meu irmão mais velho (como todo irmão mais velho sacaneando o mais novo), dizia que se eu cavasse muito fundo iria parar no Japão e eu ficava com medo. Mas eu não o culpo por me sacanear dessa forma. Vinguei-me no nosso irmão mais novo!
À medida que eu ia crescendo, as brincadeiras iam mudando. Na transição criança/adolescente, brincava de “cai no poço” e “verdade ou desafio”. Grande parte dos meus amigos na época deram seus primeiros beijos nessas brincadeiras, exceto eu! Era politicamente correta e nunca admiti esse tipo de saliência comigo. No máximo uma voltinha na praça ou um aperto de mão. Abraço? Só se eu tivesse de muito bom humor e se fosse o mais breve possível. Desafio então? Nem pensar! Comigo era só verdade, nada mais que a verdade e ponto final.
São tantas coisas que me dão saudades. A gente cresce e esquece como era bom tudo isso, como a gente era feliz com tão pouco, com coisas tão simples. As crianças de hoje têm uma infância sem graça, sem aquele gostinho bom que a nossa tinha, e é tão efêmera quanto a nossa foi, mas sabíamos aproveitá-la como se devia. Hoje, elas vivem em seus computadores, desde muito cedo já comandam seus orkuts, facebooks, só conversam por MSN, jogam online com o vizinho do lado e acham amarelinha e pular corda brincadeiras obsoletas.
Ainda bem que sou do século passado!

Um comentário:

  1. Olá.

    Seja bem vinda de volta.

    Bom texto. Já escrevi algo semelhante no meu blog. Lembro de ficar na rua to tempo todo brincando e só ia para casa quando minha mãe vinha com um chinelo ou um cinto na mão dizendo: "tá na hora de tomar banho menino!". Rsrs

    Bons e velhos tempos. As crianças de hoje não sabem como o velho e obsoleto é bom.

    Até mais!

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